— Você tá me deixando cansada, Cassandra — disse Madame, ajustando sua postura atrás do balc?o. — Senta logo, caramba!
Na frente da velha taverneira, a musculosa mulher permanecia imóvel, encarando o mundo lá fora por uma fresta na janela. Seus olhos estavam fixos na pra?a ao longe, o caos ainda se desenrolando em espirais de fuma?a e sangue.
Cassandra bufou, mas n?o se moveu. Os dedos dela tamborilavam no peitoril da janela enquanto seus olhos percorriam cada sombra, cada canto da rua. A luz fraca que entrava iluminava apenas parte de seu rosto, mas era o suficiente para mostrar a express?o de frustra??o na rainha mercenária.
— Devíamos estar lá fora, n?o aqui, escondidos — murmurou, sua voz baixa, mas carregada de irrita??o.
Madame soltou um riso seco, mas n?o olhou para ela.
— N?o vamos repetir essa conversa, mulher. Quer ir, vá. Mas se quebrar o contrato de me proteger, n?o espere conseguir bons trabalhos com os mercenários novamente.
Cassandra virou-se bruscamente, os olhos brilhando com frustra??o.
— Se entrarem aqui, vamos morrer do mesmo jeito!
Antes que Madame pudesse responder, como se o destino quisesse refor?ar as palavras recém ditas, o som da madeira se rachando ecoou pela taverna. A porta foi arrebentada com um chute violento, batendo contra a parede com for?a suficiente para soltar lascas para todos os lados.
Um soldado entrou com a espada em punho, a lamina ainda brilhando com o sangue de algum desgra?ado lá fora. Ele abriu a boca para gritar algo, mas n?o teve tempo.
Madame puxou o gatilho sem hesitar.
O disparo da Remington 870 explodiu como um trov?o, e a for?a da bala de calibre 12 arrancou metade do rosto do invasor. Sangue, massa cinzenta e fragmentos de osso voaram pela sala, manchando a porta e o ch?o com pequenos peda?os grotescos. O corpo caiu para frente com um baque surdo, a espada deslizando de seus dedos inertes.
A arma que Madame empunhava já n?o era apenas uma arma. Modificada ao longo dos anos, carregava marcas que contavam histórias de batalhas passadas enquanto seguia sua trajetória pelo Novo Mundo.
A coronha, feita de ferro misturado com madeira negra, era gravada com uma série de linhas delicadas, mas desgastadas pelo uso. Essas inscri??es brilhavam levemente em um tom azul-esverdeado, como se pulsassem com uma energia própria. N?o eram as mais poderosas das runas, nem as mais sofisticadas, mas ainda permitiam que mesmo um leitor pudesse ativá-las com facilidade, o que era perfeito para sua dona. Sua utilidade em muitas situa??es também deixava a desejar, apenas aumentavam a for?a cinética dos disparos, mas para ela já era o suficiente.
O cano, também refor?ado com a?o runificado, era mais longo e apresentava pequenos sulcos que canalizavam a energia imbuida. Esses sulcos criavam uma leve luminescência durante o disparo, um detalhe que, embora sutil, tornava a arma tanto uma ferramenta mortal quanto um aviso para qualquer inimigo que ousasse enfrentar Madame. Tais runas claramente foram feitas por uma pessoa diferente da primeira, o que nunca é o ideal se você quer evitar explos?es, mas já haviam se provado mais do que seguras após o contínuo uso.
Por fim, a Remington estava equipada com um compartimento de recarga modificado, permitindo que ela fosse carregada com rapidez e fluidez. O mecanismo fora alterado para acomodar cartuchos de grande calibre que, além de mais letais que as vers?es originais, eram mais fáceis de fabricar do que as precisas e pequenas balas, ao menos em um mundo onde o maquinário n?o estava disponível.
Madame passou o dedo pela estrutura da arma, quase como um hábito, enquanto substituía as balas fumegantes com um movimento fluido que claramente já havia repetido centenas de vezes. Com eficiência militar, ajustou-a novamente em cima do balc?o enquanto continuava a conversa de onde havia parado.
— N?o enquanto ficarmos quietos. E enquanto tivermos balas, claro.
— Balas n?o v?o nos salvar de um rank B... — retrucou Cassandra, a irrita??o clara em seu tom enquanto cruzava os bra?os.
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— Pra isso vocês dois est?o aqui. — ela gesticulou com a cabe?a para a grande mercenária e Jorge, que estava sentado em um canto da taverna, aparentemente indiferente à cena que acabara de se desenrolar. — Mas sim, se vocês acabarem morrendo, as balas n?o v?o me salvar. Por isso sai logo da porra da janela.
Jorge, que até ent?o lia um jornal desinteressadamente, soltou um suspiro pesado quando a discuss?o chegou aos seus ouvidos. Sem dizer uma palavra, ele levantou o calcanhar e deu alguns toques em um pequeno canto do tapete a sua frente.
Com o pequeno aviso, uma porta deslizou para o lado, e quatro mulheres emergiram do al?ap?o que se abriu. Suas peles pálidas brilhavam sob a luz fraca da taverna, e seus movimentos eram rápidos, quase automáticos. Elas correram até o cadáver sem dizer uma palavra.
Duas delas pegaram-no, arrastando-o para o al?ap?o com esfor?o aparente, mas sem hesita??o. As outras duas se ajoelharam para limpar os restos espalhados pelos móveis. O cheiro acre invadiu o ambiente quando uma delas puxou um balde com água escura e come?ou a esfregar com for?a, como se quisesse apagar mais do que apenas a mancha.
De dentro do esconderijo no ch?o, os sons abafados de choro e murmúrios podiam ser ouvidos. Ali, escondidos no subsolo, estavam aqueles que n?o podiam lutar: crian?as e seus familiares, incapacitados ou n?o aptos para a guerra.
O por?o n?o era grande, mas cada canto estava preenchido. Havia colch?es improvisados, cobertores rasgados e pequenas luminárias de mana para manter a luz fraca e o ar minimamente respirável.
As m?es mantinham as crian?as próximas, sussurrando palavras tranquilizadoras, mesmo quando elas mesmas tremiam. Alguns idosos, com rostos marcados pelo tempo e olhos cheios de resigna??o, sentavam-se em silêncio, observando a porta que levava à superfície como se esperassem a qualquer momento que ela fosse arrombada novamente.
Um garoto, com n?o mais de sete anos, segurava um brinquedo de madeira, o apertando com tanta for?a que seus dedos estavam brancos. Ao lado dele, uma menina um pouco mais velha segurava sua m?o, tentando ser forte por ambos.
O jornalista observava tudo isso com um peso evidente em seus olhos enquanto as mulheres terminavam de limpar o ch?o.
— Obrigado pelo servi?o rápido — disse ele, quebrando o silêncio assim que as mulheres terminaram o servi?o. — Reforcem que todos devem ficar quietos. N?o podemos arriscar.
Uma delas ergueu o olhar brevemente. Ela n?o disse nada, mas sua express?o era suficiente para transmitir compreens?o e cansa?o. Seus olhos ficaram marejados rapidamente, e com um breve aceno, desapareceu no al?ap?o com as outras.
Antes de fechar a tampa, o homem olhou uma última vez para as pessoas escondidas lá embaixo. O garoto com o brinquedo ergueu os olhos, e por um instante, os dois se encararam. Jorge balan?ou a cabe?a em um gesto quase imperceptível, como se prometesse à crian?a que tudo ficaria bem.
Por fim, puxou o tapete para cobrir a sala novamente e, enquanto o fazia, sua express?o endureceu.
— Você acha mesmo que podemos sobreviver a isso dessa forma, Madame?
A taverneira n?o respondeu imediatamente. Ela olhou para o rifle em suas m?os, depois para o local onde o sangue seco estava a um minuto atrás.
— Supostamente também somos puros. Só precisamos dizer que paramos na cidade para reabastecer as provis?es. Ficamos presos no meio da guerra, só isso. N?o estamos participando ativamente, ent?o deve funcionar. Claro, desde que nenhum emocionado entre aqui atacando igual esses idiotas que têm vindo.
Cassandra bufou novamente, finalmente afastando-se da janela com passos pesados.
— Isso é muito "se". Você sabe disso.
— O "se" é o que temos. Ent?o faz o que você faz de melhor e fica quieta.
A taverna mergulhou em um silêncio profundo. Madame recostou-se no balc?o com o gatilho da Remington ainda firme entre seus dedos. Apenas o som distante do campo de batalha preenchia o espa?o, um lembrete constante de qu?o perto estavam da linha entre a vida e a morte. Cassandra se jogou em um dos bancos, mas n?o disse mais nada, enquanto Jorge voltava lentamente a ler o seu jornal.
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